26 de dezembro de 2008

Nova York é uma cidade de profissões estranhas

"Toda tarde em Nova York um saxofonista meio maltrapilho, as bochechas enfunadas feito uma vela de barco, fica na calçada tocando 'Danny boy' de um jeito tão melancólico, tão sensível, que em pouco tempo metade dos moradores das redondezas se põe a olhar pelas janelas, jogando moedas de cinco, dez e 25 centavos a seus pés. Algumas moedas rolam para baixo de carros estacionados, mas com sua mão estendida ele consegue apanhar a maioria delas.

O saxofonista é um músico de rua chamado Joe Gabler; nos últimos 30 anos ele tocou em cada quarteirão de Nova York e já chegou a ganhar, num só dia, cem dólares em moedas. Mas ele também recebe baldes de água na cabeça, latas de cerveja vazias e acontece de ser perseguido por crianças e cães bravos. Vez por outra, em companhia de Carl, seu irmão, um guitarrista magrelo que recende a cerveja, Joe anda 32 quilômetros por dia, sete dias por semana. Joe e Carl foram criados em Lower East Side e estudaram até a terceira série. Mais tarde, Joe foi para um reformatório. E antes de chegar à adolescência, os dois já andavam pelos bares tocando.

"Desde então a gente tem andado aí pelas ruas", diz Joe. "Carl presta atenção nas ruas que percorremos cada dia e nunca vamos à mesma rua duas vezes num ano. O East Side de Manhattan é o melhor em termos de gorjetas, exceto no verão, quando os ricos viajam. Quando vamos aos territórios porto-riquenhos em West Side, sempre tocamos música hispânica e usamos chapéus de palha. Há uma senhora na Forty-Ninth Street que nos dá cinco dólares toda vez que tocamos 'When irish eyes are smiling'".

"O que você faz com todo esse dinheiro?", perguntaram a Joe.
"Ele vai embora", respondeu o músico.
"Vocês nunca vão sair das ruas e arranjar um emprego?".
"Não vamos sair das ruas até o dia da nossa morte", disse Joe em tom dramático.

"Não temos escolha", disse Carl, serenamente.

* Texto de Gay Talese e foto de Bullaty Lomeo *

3 comentários:

Sergio Brandão disse...

Jeito romântico e, ao mesmo tempo, muito duro de "percorrer" a vida... E inegavelmente original!... Bjs.

Monica Ramalho disse...

super original, sergio. fiquei encantada pelo texto - ainda mais sabendo que essas pessoas realmente bancaram esse estilo solto de vida - justamente por isso ;)

beijo e feliz 2009!

Mariana Laura disse...

Nova York é um filme em forma de vida. Impressionante. Saudades de lá!